Wednesday, August 15, 2012


GATILLU

Não há tiro sem gatilho mas é preciso puxá-lo.

A Ferrovia de Timor, tal como se apresenta, é o gatilho que apertado desencadeia o tiro da construção económica e social do País. Construção como expressão mais adequada que desenvolvimento, porque se parte praticamente do zero. Daí a enorme liberdade e responsabilidade de escrever Timor por linhas direitas, com tinta fresca. O Plano Estratégico para Timor (PED 2011-2030) trata de um mundo de cidades, de infraestruturas e de pessoas que ainda não há, mas queremos que venha a haver.

Se não formos capazes fazer o que está por fazer, em 2030 Timor será um país com moscas e com polícias indonésios.

O projecto da ferrovia é também o catalisador de um processo de mobilização nacional em todas as camadas da população em torno de um objectivo palpável, distinto de um fruste culto da personalidade. 

Uma vez iniciado o processo, a utilização maciça de mão de obra nacional (centenas de milhar de trabalhadores, milhões de horas homem), enquadrada pelo exército em missão de paz, tem um impacto determinante no caldeamento nacional das mentes, na formação pessoal e profissional da juventude e na explosão da procura civil de bens, serviços e infraestruturas que suporta o aparecimento da concomitante oferta (o contrário do supply-side economics). 

O impulso multiplicador do investimento público central transmite-se à sociedade civil e ao poder local (loro rai, loro lor, para diluir os antagonismos da sedimentação histórica) que, assim, deverão densificar o modelo com as suas próprias actuações.

O eixo director para a criação das novas centralidades urbanas (habitação, serviços públicos, centros de negócios, zonas industriais, nós logisticos) que vão acomodar a migração física e cultural do campesinato pobre para os serviços, a indústria e a agricultura, é um aspecto absolutamente determinante do projecto. Dois milhões de pessoas e catorze biliões de dólares mais à frente, ou está criado um mundo substancialmente diferente e melhor do que hoje temos, ou a pobreza e a discórdia cívica levarão à convulsão social e à perda da independência tão sonhada e tão duramente conquistada. Há vizinhos à espreita.

A ferrovia, como infrestrutura estruturante, é complementarmente servida pela rodovia. Ambas comunicam com o exterior por intermédio dos portos e aeroportos. Uma assegura, com mais segurança, a penetração no território e a conectividade global com eficácia política, racionalidade económica e sustentabilidade ambiental; a outra oferece, com mais risco, a recovagem e a mobilidade local.

A coluna dorsal da ferrovia serve também para, paralelamente, extender a coluna dorsal da distribuição eléctrica no mesmo esforço físico de cobertura territorial.

A rentabilização de uma autoestrada que não fique deserta implica de imediato a importação de milhões de viaturas individuais poluentes movidas por energias não renováveis; a da ferrovia necessita apenas do investimento num número reduzido de locomotivas e vagões, para transportar milhões de pessoas e toneladas de mercadorias, de dia e de noite, com tracção eléctrica baseada em energias renováveis. A ferrovia tem, a todos os títulos, uma pegada ambiental menos gravosa que a rodovia.

Dois milhões e meio de habitantes de Timor-Leste (em 2030), com motorização igual a metade da da Europa dos 27 (473 em 2009) têm cerca de 600 mil carros que, se forem importados da Índia ou da China a dez mil dólares a peça, representam um impacto de seis biliões de dólares na balança de bens transacionáveis - mais 20% que o custo estimado da ferrovia. Acrescem outros factores negativos próprios, como os custo de manutenção da frota (peças, pneus, baterias, lubrificantes) e da rodovia, os combustíveis e o diferencial de sinistralidade de pessoas e bens. 

Estabelecida a ferrovia, os habitantes de Bobonaro ficam a menos de duas horas de distância dos de Los Palos - uns e outros podem sair de manhã de casa, almoçar no outro extremo do território e vir jantar a casa. E hoje?

A construção da rede implica a produção local, por empresas nacionais, de toneladas de balastro, quilómetros de travessas (chulipas), e o alinhamento de, digamos, dez gares ferroviárias com cais, estacionamentos, áreas de manobra e armazéns, em torno das quais se vão construir dez aglomerações urbanas completas e completamente novas - com materiais e mão de obra nacional. 

Estamos a falar de criar de raiz um tecido económico pujante e sustentável, onde a punção fiscal é amiga do aforro e da exportação. A localização das cidades à cota da meia encosta traduz-se em vultuosas economias de energia (climatização), melhores condições sanitárias e preservação da beleza pristina da faixa costeira de assinalável interesse turístico.
  
O modelo de propriedade da infraestrutura (as comunidades) e de financiamento do investimento (a poupança nacional), desenhado na proposta da Ferrovia, respeita o carácter de interesse público do projecto. Na realidade, identificada uma via de acesso à sociedade do bem estar, que sentido tem continuar a manter a população a viver em condições deploráveis para emprestar o dinheiro que é de todos ao Tesouro Norte Americano a troco de um juro estéril, em vez de o usar com prudência mas diligentemente na construção de um paìs que está por fazer?

Em termos práticos a LAFAEK BESI sugere que se crie um veículo institucional, sob a jurisdição do Parlamento, para a condução do processo - o Alto Comissário para a Ferrovia - liderado por uma personalidade com reconhecido magistério de influência. Estão pela frente uma dúzia de anos de labor intenso a planear o projecto, mobilizar o dispositivo e executar a obra, ao mesmo tempo que se contrata o fornecimento de equipamentos e serviços no mercado interno e no mercado internacional. Uma obra ciclópica. Gostaríamos, naturalmente, de ser chamados a colaborar no apoio ao Alto Comissário. 

Com mandato da Presidência da República e a cooperação do Governo e das Forças Armadas, poderia desde já organizar-se uma Conferência Internacional em Dili/Baucau, no princípio de 2013, subordinada ao tema da Ferrovia de Timor, para convocar as experiências irmãs das ferrovias de Cachemira e da Engenharia Militar do Brasil, e oferecer aos decisores nacionais um amplo debate sobre a matéria, com o concurso de individualidades e grandes empresas mundiais conhecedores da problemática da construção e exploração ferroviária - LAFAEK DALAN BESI KONFERENSIA 2013.   

Como dizem os franceses, ‘le bûcheron coupe l’arbre et se fait le bras’, isto é, a construção da ferrovia é a oportunidade histórica ímpar de escrever Timor por linhas direitas, com tinta fresca.